Maio das mães...
Um estudo a guache e aquarela da obra de Manet- "Gare Saint Lazare"
por Fatima Abrão.
Uma das coisas que minha mãe fazia comigo era caminhar e enquanto isso olhar o mundo.
A gente saia a andar, para chegar em algum lugar via de regra, e tendo ou não hora prá se chegar saíamos "com tempo"para ir olhando as coisas em volta.
Sempre comentava que aqui e ali alguma coisa não existia ... ou dali - de onde alguma coisa deixara de existir na paisagem urbana até então tão igual sempre.
Sim, alguns lugares seriam emblemáticos pois tinham um valor pela história e se, mudava alguma coisa neles, já se ia discutir se foi certo ou errado , isto é- se teria valido a pena, a mudança, ou não.
Ao aeroporto por exemplo, fomos algumas vezes apenas para ver os aviões decolarem ou aterrissarem- sem nunca termos subido em um , para voar nele.
O encanto , o mistério, o que afinal existia nesse lugar de partidas e chegadas...? Não sei... a gente era criança e ia lá para passear mesmo. Apreciar.
A estrada de ferro da cidade, embora fosse muito bonita nem de longe poderia ser comparada a estação de Saint Lazare em Paris... imagino! Pois conheci a Gare de Lion da capital francesa e mesmo guardadas as proporções de um quadro pintado por Manet no seculo XIX, mesmo que no fim do século já, eram muito diferentes... !
Pelos terminais virem de várias origens de destino europeu; pelos trens serem muito mais numerosos e a estação ser enorme!
Não conheço o contexto desse trabalho do Manet - mas acho-o especialmente rememorador de minha infancia, nas idas e vindas pelos caminhos da cidade , com minha mãe.
O que essa moça ( seria a mãe da menina?) estava fazendo com um belo vestido, chapéu, um livro, um "cãozinho de colo", com frutas para comer enquanto olhavam o movimento da estação de trem? Um livro para ler , um leque para completar o figurino... E a menina? Com um belo vestido de época, os cabelos penteados e presos, espiando pelas grades , o que se passava na estação...
Arrumadas e pelo jeito numa espera demorada, ou num pequeno piquenique de vista para uma estação de trem... pois afinal não era uma simples estação como qualquer outra- era a estação de Paris, num tempo em que por lá circulavam as mais importantes personalidades do mundo- na cultura, na ciencia, na politica, na história...
Que grande prazer isso dava... no meu caso , olhar de perto um aeroporto - conhecer e alimentar a fantasia de um dia viajar , sair de casa para ir ..."-:pegar um avião"...!
Quem diria que de fato - fiz muitas viagens , já nem sou capaz de enumerar, para vários lugares do meu estado de nascimento ( o Paraná), como do meu país e para a Europa. Numa perspectiva de vida muito mas muito modesta, era impensável.Uma coisa em que havia sido preparada desde pequena para fazer.
Viajens - principalmente a trabalho, algumas de cortesia de meu irmão mais velho, e outras por motivos de várias ordens... como a de março de 2012 - quando fui a Curitiba , especialmente para reencontrar colegas do tempo de escola ginasial... que não via há mais de 40 anos!
Tão incrível essa viajem - pois meu principal objetivo era alegrar-me, encontrá-las e divertir-me em minha cidade, pelo menos nessa vez na vida...
Minha mãe jamais fez uma viajem de avião! Alem do que a temia pelos acidentes de que se tinha notícia... Poderia ser premiada com uma viajem... que não iria; quer dizer : - quem sabe....?
Apesar de ser tão agradável viajar de trem e olhar a paisagem num trem de tipo :- "Maria fumaça"... por funcionar a caldeira... pude vivenciar o trem a 200 km por hora entre a Gare de Lion de Paris e a estação de Florença, na Italia... embora muito emocionada ao ver a neve caindo no solo da paisagem já recoberta de branco na Suiça, o trem era um pouco rápido demais para se apreciar... alguma coisa o suficiente... Mas o tamanho das estações, a organização, a ligeireza com que tudo se encaminha, a precisão das partidas, a divisão em classes... Tudo forrado em veludo vermelho na Classe A, do trem de volta de Florença- par aonde fui empurrada pelo fiscal pois o trem ia partir... e depois , uma vez embarcada , se veria direito qual era a minha acomodação... Quem disse que na correria entendi que estava na cabine errada? Estava, e devia mudar-me era que vinha dizer-me o fiscal do trem...Para um compartimento em que podiam deitar-se quatro pessoas... escuro... e e esquisito pelo olhar de cada um dos estranhos viajantes da hora... Ninguem dormia , na realidade, apesar de ter doze horas pela frente... de viajem pois se cuidava dos pertences e do movimento de entra e sai, abre e fecha da porta a todo instante por pessoas procurando alguem ou do pobre fiscal que pedia o passaporte pra conferir...cortinas fechadas, não se via nada da paisagem... então muitos iam para o corredor, estreito , apoiando-se na janela para olhar o caminho do trem...Cansava e voltava para a cabine para cochilar... mais uma ou duas horas de olho semi cerrado... tentando descansar e fazer o percurso ficar mais curto...
Tudo que se desejava era uma cama de verdade e uma felicidade de que fosse a nossa lá em casa preferencialmente...!A maioria eram os famosos -"mochileiros" , população jovem que faz seu turismo andando com o que pode carregar enfiado em uma grande mochila de onde pende pendurado um cobertor-manta para se agasalhar ao deitar para dormir...O trem fornecia um cobertor e um travesseiro...Quando enfim estava avistando o saguão imenso da Gare de Lion, mal podia crer... fui então em busca de um Hotel de juventude indicado pela companheira de apartamento no Hotel de Florença... uma chinesa chamada Quinniee a quem mais tarde eu homenagearia dando seu nome a meu cãozinho de estimação...
Garoava, escorria pela sargeta da rua um caldo escuro de fuligem dos automóveis , e com a mala de rodinhas , fui em busca de achar a rua do Hotel... caminhando pelas calçadas úmidas...Era dezembro, 29, de 1994.
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