Fatima Abrão- Gazometro - Porto Alegre...2013-agosto
Um final de dia a mais ...
poderia ser
mas não é...
Veio depois de um temporal dentro
para não dizer que transbordou
e passou a escorrer ali ... fora... tambem!
Os dias tem dessas coisas que nos fazem pensar que tudo está terminado
que não temos mais para onde ir , nem com quem contar
e que o que precisamos é de deixar rolar- olho afora- toda a agua acumulada no organismo...
Li num desses livretos de macrobióticos
que as lágrimas caem por excesso de agua no corpo!
Depois parece estarmos em um ambiente interno leve,
como se afinal - tudo que estava para arrebentar as comportas- nos oprimindo...
se esvaziasse e voltassemos a serenidade
de um dia a mais...
Até o próximo vendaval... como que num ciclo natural
de estados em que se chocam nossas energias materiais, físicas, líquidas , gazozas,
com os nossos limites internos
nos deixando sem saída...
Nada podemos fazer... para evitar
a chegada dos temporais nascidos em outros quintais...
e que nos pegam no caminho... nos arrastam para o desolador desabrigo
em que o físico - é só um deles...
há os que ficam cá dentro na alma
e que
não contam nas estatísticas
até porque seria pedir demais
considerar-se a alma de um povo...
melhor e mais fácil pensar nele como um corpo
andando e só -!
Hoje a noite , desci do ônibus
numa calçada repleta de folhas secas
e muitas flores de Ipê cor-de-rosa...
num tapete lindo e suavemente composto
por um vento
que poderia ser dito - um qualquer...: imagina!
Mas quem as disporia desse jeito?
...e nesse colorido -misto de outono,
que se despedindo- as abranda a queda,
deixando folhas - pequenas mas belas em tantos tons, formarem com as flores um instante de abrigo
aos pés cansados...
num tapete natural de Deus fazendo rir
pois ontem ainda , me sentia pobre
num abandono terrível de minha sorte...
e hoje mesmo podendo ainda sentir alguma dor,
obrigo-me a agradecer
essa estranha e sólida e palpável
presentificação de fortuna e alívio
mesmo que apenas valorizada por alguns
que passem nessa calçada do meu bairro na noite escura...
Mais adiante o perfume de algum tipo de jasmim...
Na janela de casa -aberta, o florescimento de laranjeiras
faz que venham com a brisa ,nesse dia ainda noite,
perfume forte e leve ; onde estou posso respirá-lo gratuitamente ...
mesmo que pense no fruto delas -
suas laranjas...
vieram como um bálsamo
noite adentro desde ontem ...
calmaria!
Os olhos doem de chorar -eis algo que é preciso concordar
nem precisaria
nascer e crescer
num dia desde que essa seria a vida
de grande agonia
em que nosso melhor espelho se turva e nem vemos
com os olhos marejados
nada daquilo que queremos.
Ver e existir
produzir um tecido num papel
de figuração humana dessas
que se posiciona em nossa frente
despida e entregue a um momento
de reflexão e fixação
de sua imagem colorida por um tipo de posinho de giz
que se espalha com os dedos
em circulos de vida do retratado e do artista...
nem sempre o fazendo para o que ali se senta...
mas nem sabendo bem para quem;
pode ser , quem sabe- que seja até para si mesmo
como um arbítreo, um simples e inconfesso gesto de usurpação de toda natureza humana que ali se encontra em apenas uns poucos minutos... num diálogo inacreditável e silencioso entre nós ... onde o que menos importa é o que resulta como uma especie de obra...
mas tudo que se passou nesse momento entre as duas pessoas ou todas as que estiveram presenciando o que aconteceu... ali ao olhar de todo mundo...
mais que um exercício de desenvolvimento - fogem todas as significações diante do tudo que ignoramos sobre a vida uns dos outros...
sofremos pela profunda falta que sentimos de estarmos mais
próximos ou sermos mais importantes pra alguem
do que realmente somos
como algo assim
possível só mesmo quando nem estivermos mais aqui...
como no que fica
concebido como um legado...
sendo ou não
de alguma fortuna
podendo isto sim ser apenas
uma pista de algum percurso
trilhado por alguem -
qualquer um,
um dia
num ciclo comum de vida natural...
se não escreve, não pinta, nada parece ter feito
ou realizado no mundo... mesmo esse seu
pequeno mundo que só prá sí
signifique um mundo!
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