Há muitos anos atrás - estava aos quinze , era década de 70 acho que 71 , não tenho certeza, meu pai resolveu que ia para o Rio de Janeiro . Desfez-se de todas as quinquilharias, acompanhei o que pude, e mesmo a despedida foi atrós- como todas são...
Só alguns meses após, soube por um postal de um navio
com letras em árabe que identifiquei serem suas e endereçadas em portugues a mim
que estava a caminho das arábias... Bom. Nem sei .
Não lembro mais o que exatamente caminhou por dentro do peito...Um negócio desses tipo um abandono assim... sei lá é meio amargo, acho...
Fiz silencio disso. Só uma ou outra colega de escola ficou sabendo. Até porque , na verdade - os adultos já deveriam comentar entre si, apenas "as crianças" foram as últimas a saber... a verdade. Mas hoje em dia sei- quando se perde alguem querido - logo em seguida se comete alguma loucura... aquele vazio- aquela falta de uma pessoa que deposita uma expectativa em voce... dessas tais como - está contigo para o que der e vier - te ama incondicionalmente ...faz mesmo voce caminhar mil léguas... até descalço...
Comigo, entendi - sempre foi assim.
Suicida? Não sei bem como se interpreta ...
Mas nem é isso que quero lembrar.
Muito bem . Foi o velho pai de volta a sua terra natal, a Syria , quarenta e tantos anos após sair de lá, sem ter revisto mais nem pai nem mãe, nem irmãos, ninguem mais de uma imensa familia de mais ou menos 150 membros de sua aldeia de nascimento chamada Dreikich...
Lá , cultivavam oliveiras, levavam uma vida simples de fiéis do Islã. Como ele, vieram para o Brasil mais dois primos.
Um ficou no Rio de Janeiro; o outro , no Sul.Toda a familia no oriente. Toda.
Resolveu que ia revê-los e ia a Meca fazer sua obrigatória peregrinação.
Dez anos depois , tendo passeado por todos os países árabes, feito sua meditação que o santificou como um sacerdote muçulmano- um 'HAJE"- reconciliou seu coração com toda a familia, inclusive com sua primogênita a quem deixara lá (pois viera aos dezoito anos para o Brasil);
estando com sua saúde muito delicada ,consegue da caridade de seu filho mais velho no Brasil ,recursos para sua desejada volta ao país. Nesse meio tempo, conheci duas irmãs mais velhas que eu cerca- de 20 anos , quando eu estava aos 21 , e minha familia que era de dois irmãos - tornara-se : mais tres- uma no estrangeiro (como se costumou dizer!), e duas ali nas minhas cercanias - só que eu não as conhecia...Muito bem - essa volta de meu pai, nos encontra a todos diferentes...
Dez anos, são mais que dias e horas contados.... revoluções inteiras acontecem em menos tempo do que isso...
Mas volto a tudo isso , creiam só por causa dos 70 anos do Gilberto Gil!
Num belo dia, sentei-me no meu fusca 67, verde caribe
( que meu mano agauchado me ajudara a comprar) com um gravador emprestado no colo , disposta a gravar uma fita cassete para ser mandada a meu pai , lá para a Syria pelo meu irmão do Rio Grande...
Metida a cantora, resolvi cantar uma canção para meu pai homenagenado-o - e era aquela-...:
"...Eu passei muito tempo
aprendendo a beijar outros homens
Como beijo meu pai
Eu passei muito tempo
pra saber que a mulher
que eu amei
que amo, que amarei
será sempre a mulher ,
como foi minha mãe,
Como vai minha mãe,
como vai o meu pai
seu filho como vai...
Diga a ele que não
se aborreça comigo
quando me vir beijar
outro homem qualquer
Diga a ele que eu quando
beijo um amigo
estou certo de ser alguem como ele é
Alguem com seu carinho pra me conquistar
Alguem com sua calma pra me corrigir
Alguem com olhos e corações bem abertos
pra me convencer
Eu passei muito tempo....
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