terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Num simples CLIC

                           Quando folheava o tanto de livros empoeirados e empilhados na entrada da sala pareciam nada ter a dizer...Siquer parou para ler alguma coisa , como sempre fazia.

Achou-os pesados ao segurá-los, teve mesmo dificuldade em avaliá-los no sentido de deixá-los ficar ou descartá-los.

Muito estranho tudo isso... parecia um torpor... algo não estava bem pois deixara tantas outras coisas...pelos livros!Até pessoas eram impedidas de levá-los ...alguns deles eram meio assim-: sagrados...Deuso livre de desaparecer com esse meu livro...Preciso olhar-encontrá-lo ali:nesse lugar de sempre,inteiramente a minha disposição...Posso ter uma grande urgência em ler alguma passagem importante; pode ser útil para alguma comunicação indispensável ao progresso da humanidade...

Por alguma sabedoria...-achou melhor pensar dessa forma meio desapegada, contemporâneamente difundida pela visão oriental de mundo...(budistas, hinduitas...) e não lamentar ,antes comemorar estar se libertando de uma espécie de sofrimento...

Mesmo assim, fez um rápido inventário e lembrou que eram mais ou menos uns oitocentos e poucos .... e que durante muitos anos eles tinham suas  malas próprias...Em cada uma de suas mudanças e foram muitas... elas eram arrastadas...era impossível erguer aquele peso todo...papel pesa muito...

Uns quase duzentos e oitenta foram  comercializados em sua cidade natal- um rapaz,estudante de sociologia na universidade federal de lá, adquiriu extasiado - o "Ensaios sobre o entendimento Humano" de Locke...enfim mais ou menos uns trinta ou quarenta livros em que se encontravam suas necessidades de leituras e pesquisas ;o preço era razoávelmente barato ;estava tambem socorrendo uma pessoa amiga em apuros...Os outros duzentos e quarenta , um cebo escolheu a dedo ...pagou dois reais em uns, tres em outros...a coleção inteira do "capital-de Marx- levou   por dezoito...


Continuou carregando os outros... tantos!

Dessa vez aconchegou-os em caixas pequenas de biscoitos recheados...pra ficar mais cômodo movimentá-los...em suas mudanças constantes de casa...


Foi separando dolorosamente - esses de poesia, seria bom oferecer ao secretario da cultura da cidadezinha, pois havia um clássico de Victor Hugo... e mais umas edições preciosas de poetas alternativos do tempo dos anos de chumbo ( se editavam de qualquer jeito)
e traziam aportes de história da literatura do seu país...

Alguns foram doados a escolas;a professores amigos para que os disponibilizassem a alguem- alguns a entidades religiosas de várias naturezas... dessas que surgiam tambem ...sem tradição ainda ...e que ia ver -para aprender o que significavam em seu ambiente...cultural...Sempre gostou de poder ler seu tempo ao vivo.


Mais uns trezentos e tantos , dessa vez : selecionados ...os preferidos...foram a dois pilas( reais) uns,outros, há não se lembrava mais...quanto...!Parecia um ciclo de sua história , terminando... afinal...quem se apercebeu sem eira nem beira, não podia desejar manter :uma biblioteca particular...Havia aí um ressentimento , sim;como não? Seus luxinhos, suas economias, sua fortuna ...estavam ali, em seus livros...como num filme ... surrealista em que um artista passando fome ...literalmente troca seu trabalho por um prato de massa...com molho e queijo ralado...de uma única refeição ...sem considerar os outros dias em que precisaria continuar a comer.

Estranhamente, sentiu um grande alívio... aquele peso não carregaria mais...aliás, estava pensando sériamente em como diminuir ainda mais seus carregamentos...Que na verdade, nem eram seus, eram um empréstimo da vida...e um descaso com os carregadores de mudança que se esfolavam para levar  tudo aquilo, cheio de ácaros...bem tratados era verdade: com alta filosofia...!

Agora, um vazio cheio de ar ...uma espécie de ares novos... tempos novos ou algo parecido.

Vazio.

Sobraram (ou como poderia ser dito isso?) o exemplar antigo de Sienkevieckz- Quo vadis domine?, outro antigo exemplar de Platão, um do Neruda, um do Leminski, um do Mario Quintana(...), ainda alguns cinco ou seis dicionários dos baratinhos, de bolso, ah, e uns originiais  da Simone Weil...uma pensadora judiafrancesa que descobrira- das mãos de um professor cearense,  em fim  da década de  setenta...

Na verdade , queria mesmo era escrever seus livros...decidira que sim:teria umas histórias a contar prá desanuviar o coração mas também,para informar a alguem interessado sobre coisas que tinha aprendido na vida...

Sempre haveria alguem que poderia aproveitar sua experiencia...


Mas agora , ali com essa pequena bilbioteca que tinha espanado, sentia um tempo acabado.Uma época se findava.Como era possível uma vida tão pequena ter tido tudo aquilo... era um pouco   de  petulancia...


Sabe-se lá quanto não fora arrogante mesmo por ter tudo aquilo de
livro em sua casa só dele?Se gente há que não sabe nem ler, que nem tem nenhum?E pra que  existem as bibliotecas se ninguem for lá olhar os livros?Para ser mais interessante, os livros deveriam estar todos em muitas bibliotecas...por todos os lugares...ao alcance da mão de todo mundo...de todos os assuntos.. assim mais  ou menos como agora nos computadores tornou-se acessível(!)   encontrar tudo quase ...sobre quase tudo...e nem precisa carregar nada...

Num simples "clic"...

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