sexta-feira, 11 de maio de 2012

MARMELADA DE MÃE - nectar dos deuses

Um cenário - 


Os olhos da mãe da gente são como janelas da alma que nos ajudam a enxergar a vida , o  mundo, na simplicidade com que se apresentam , nas lutas de dia a dia, preenchidos com memórias, canções, ritmos, empenho em acompanhar o resto do mundo do seu pequeno canto e sair por perto, por ali, para não ficar "socado" sem ver nada lá fora...
De vez em quando, um cinema- na matinê do auditório da paróquia - em tempos de Flash Gordon; noutros momentos, o circo dos Irmãos Queirolo perto da escola no terreno baldio...
Em junho - festa- das mais lindas- pois desciam de um bairro de italianos suas carroças enfeitadas de badeirinhas de papel de seda, com gente tocando gaita, fanfarra, era de subir nos barrancos pra ver mais lá de cima...
Muitas e muitas procissões dos capuchinhos  a pé, claro...que se esperava passar na frente de casa para daí seguir com eles rezando e cantando...as vezes descalços para ser mais fervoroso... 




A mãe sempre com a gente- a mãe.
Que beleza... um pouco pai , um pouco mãe- os dois!
Quando aos berros, nem devia, mas fica parecendo um homem brabo, subindo nas tamancas e barbarizando horrores o ambiente... ufa, que alívio quando o temporal passava...ainda bem- ele passava.
O sossego volta, e a casa fica em paz. Ai , sim - uma varinha de marmelo - que acho que a pedagogia imprimia que todo quintal que se prezasse tivesse em  um canto -um marmeleiro- ( que não servia prá mais  nada; o doce do marmelo era horrível...) daí a expressão : marmelada... ser uma marmelada literal !No sentido de ser puro açucar com um cheiro da fruta...apenas...Pensando bem- era pra despistar, essa do doce... era pra tirar da planta aquela varinha fininha.... terrível!
...Se batia na perna era um vergão imediato que aparecia e ardia e doía pra danar...Ficava lá- encima da porta, encaixadinha no batente...
A gente, em criança olhava lá de vez em quando para ver se ela não tinha sumido... Que esperança!! Empoeirava , desempoeirava e continuava lá...Até que as vezes era engraçado...!!Se sentir ameaçado o tempo inteiro por uma reles varinha de marmelo...!


Um pouco pai um pouco mãe...- os dois!
Era preciso; se obrigava a pensar por um e por outro
já que com ele, não podia contar...e não era só
lá naquela casa;... em quase todas: os homens entravam e saiam... e à sua saída e à sua espera ficavam sempre providencias tomadas pela mãe, pela esposa, pela mulher...senão a casa caía!
Pelas 5 da manhã, seis o mais tardar , já de pé.
No quartinho de costura, que era mesmo pequenino,  
de uns dois metros por tres, estava a máquina Neomann (não recordo direito como  se escreve) , caixas com materais de todo tipo, encima delas um radio poderoso (de válvulas ainda, com caixa de madeira)
ligado fulltime...
As estações mudavam pouco , sendo que das novelas... não se perdia por nada- seus capítulos...e como hoje- 
se falava no assunto na fila do açougue, 
do armazem... no ponto do ônibus  e nas esquinas...
Alem do radio da máquina de costura , uma cadeira com acento de palha como eram as outras cadeiras da cozinha que ficava contígua   mas em separado claro; alem da cadeira, uma mesa para passar roupas... 
muitas roupas...que há um tempo foram renda- 
eram lavadas e entregues bem passadas a duas ou tres senhoras que lá buscavam... 
Cansava de ve-la inteira molhada dos pés a cabeça 
apesar de estar com um dos seus esquisitÍssimos aventais...feitos por ela com bolsos grandões para caberem os grampos de roupas e facilitar na ora de estender tudo aquilo nos arames...Tudo era quarado...na grama ...
e regado varias vezes para clarear,
limpar, com um enorme e pesado regador.
Os arames eram monitorados, vira essa peça prá lá, vira prá  cá - que o sol caminha e tem que se ir atraz...se quizer vencer o dia e ter tudo seco como era preciso...tendo dia prá entregar...
Sofria de reumatismo, como não? Naquele tipo de coisa úmida...?! Não era uma lavanderia confortável, nada disso... e não havia encanamentos - a valeta de escoamento tinha ela mesma que abrir -volta e meia, com uma de suas enxadas...Houve um tempo em que precisou ir fazer faxinas em duas vizinhas para completar o ganho para viver; e aumentar a dose de roupas para lavar pois senão- não ia dar o dinheiro, pra tudo que precisavam. 
Mandou fazer um carrinho de madeira espaçoso 
e sua filha ia lá levar barroca abaixo, barroca acima...
até a casa de um; até a casa de um outro.
A ruas eram ainda de saibro, poeira- sim, muita...ainda bem que tinha tantos automóveis como hoje em dia... 
Mas era poeira suficiente pra complicar 
e como só tomavam banho completo no sábado,
enfiava a cabeça numa bacia e alguem - senão a própria mãe jogava umas canecadas de àgua e ensaboneteava e esfregava e enxaguava e pronto;... tinha que ir pro colegio , precisava ir bonitinha.
A escola ficava a tres quadras. Era um Colégio de Irmãs -vicentinas, fazia questão de seus filhos em boa escola... queria que aprendessem tudo de bom para serem mais fáceis suas vidas quando crescessem- só o estudo podia garantir um futuro...melhor.
A casa já era deles - dos filhos e eles sabiam- estava no nome deles para que nem pai nem mãe "botasse fora" o patrimônio que ja  vinha de união de dinheiros tanto do pai como da mãe...
Tinha sim fogão a lenha, e era preciso comprar lenha, buscar sacos de sepilho na serraria da Casa de construção do bairro e trazer na cabeça ou naquele carrinho de madeira de entregar as roupas ...sim tambem se comprava lenha em metro e tinha que picar com o machado num sepo no chão para que fossem pra caixa de lenha e pro banco de lenha na cozinha...
Então, tinha um machado menor-pra picar o pedaço em quatro... para entrar na "boca " do fogão...mais facilmente...Ah, as vezes se machucava, como não?Mas havia sempre dois vidrinhos no armário de remédios- um de iodo, e outro de mercurio. Sim: ainda um terceiro de agua oxigenada que era usado pra desinfetar primeiro o lugar e depois mercurio, e pó de sulfa prá sicatrizar...Sarava logo.


Um pouco pai, um pouco mãe, - os dois!
Olhando assim podia dizer que eram gente sem importancia nenhuma...De vida modesta, de trabalhar no pesado, de não sentir preguiça nunca...Começar com o sol e terminar com ele um dia cheiinho de coisas prá fazer...sem parar , sem parar...
Passear? Havia uma amiga querida do tempo da juventude , suas mães polonesas eram amigas e então com ela podia falar na língua materna, pra não esquecer...
Desde que sua própria mãe falecera seis meses antes de sua filha nascer, ficara sem ninguem por perto para esse deleite de trocas culturais e sensíveis na cultura dos pais...
Ela e Bárbara, eram muito leais.
Mas era uma senhora caminhada
até a casa de uma ou de outra. Mas era o passeio dessa mãe e dessa filha... ir lá visitar a Bárbara...a pé claro. Olhando as casas , parando para admirar e dizer ah- queria ter uma casa assim, queria ter uma casa assado, olha que lindo esse jardim, olha que chão de varanda tão encerado...reparava-se em tudo...
Às vezes escolhia algum cacareco do chão de lembrança daquele dia... uma pedrinha , quase sempre...
A filha - ficava sózinha, sentada no quintal, olhando as plantas, comendo frutas maduríssimas que ficavam a espera dela- não eram senão - o nectar dos deuses!
Na saida , podia ser que merecesse uma rosa do jardim, das mais lindas que tambem ficavam a espera da menina, pois como a amiga não tinha filhos só sobrinhos, meio espoletas, essa outra criança levava então, esses carinhos nas mãos , no estômago e no coração... 

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