sexta-feira, 27 de abril de 2012

"_Diga lá pro meu amor que eu não quero me casar"...



Retrato a óleo-Fatima Mohamed Abrão.


é ... acho que pensando bem ela era tão pequena que nem poderia mesmo ver o estranho do que passava ....
uma pequena de 9 anos indo encontrar seu pai em uma pensão na cidade não era certo nem comum...antes passava no café do Legab, patríicio de seu pai que lhe confirmava se ele poderia estar ou não em " casa"- o que significava que estaria a sua espera...para conversarem alguma coisa ou coisa nenhuma, simplesmente tomar café com ele, escolher entre cochinha de galinha, kibe ou um pastel e uma chocomilk ou uma wimi, e talvez ganhar um dinheirinho para qualquer lanchinho ou para a passagem do onibus...Lá encima, o prédio era antigo tinha uma grande galeria de quartos em "U" e na parte da frente era um bilhar .Subia as escadas e logo a direita , o primeiro quarto era o
dele. Batia devagarinho ele gritava-" hei! !" Já vai"!E abria a porta  com uma mantilha enrolada na cabeça - vinha lá de dentro- cheiro de sono ... o quarto escuro , pequeno, tinha sempre uma mesa onde ficava um prato com chancliche  amassadinho com oleo de oliva, um pacotinho de azeitona preta temperada da graúda, pão sírio de que ele gostava muito.O chá preto da india, de latinha de qualidade, era mais perfumado e se houvesse ainda uma maçã era de tudo isso combinado - o ar da " casa" de seu pai...Iaa esquecendo do cheiro de querozene, do fogareiro , onde quando queria fazia sua fritada de ovos com folhas de cebola verde, ou uma espetacular carne com molho perfumada de tomates de verdade e cebolas, tambem....para se comer com pão e tomando guaraná da antartica.O que se conversava? Alguma fofoca sobre os irmãos que eram homens mas não ligavam prá ele.Não o visitavam pois moravam em outros lugares distantes e ele não tinha mais ninguem...só a ex esposa e a filha , essa que o visitava uma vez por semana....Nenhum parente... todos fora do país...Tinha dois primos que vieram na mesma época, migraram como ele...um ficou no Rio de Janeiro outro na mesma cidade;...um grande parceiro esse primo. Homens bem apessoados, elegantes, de usarem terno e gravata como era o costume para os homens á época...e ainda chapéu...Alegres, de humor vivo, pareciam saber levar a vida dura do melhor modo...possível...Com seus conterrâneos mais abastados, ou com os recem chegados mais vulneráveis, tinham a mesma gentileza, alegria no trato, otimismo, grande energia de trabalho, pareciam incansáveis...Mas , essa solidão em que vivia, era proposital, para que a sociedade não comentasse que deixara a familia pra ficar " no bem bom"...Então , um quartinho de pensão , significava- sacrifícios diante de todos, embora ganhasse bem em seu trabalho com serviços hidráulicos, guardava centavo por centavo...ninguem sabia para que...De vez em quando ia jogar com  os amigos... mas não era chegado em perder dinheiro...Era muito religioso, e repeitado porisso, rezava 5 vezes por dia como um bom fiel...e levava aparentemente uma vida comum, relativamente sóbria...participando da sociedade de seus patricios, da sua mesquita nos dias de orações... e era isso...sua lúgubre vida , de voltar ao fim do dia para aquela pensão...As vezes, sua filha ficava muito consternada e pedia que a deixasse varrer, arrumar um pouco ; se ele não tinha que sair para algum serviço , logo, permitia e no silencio que se instalava, se compreendia...uma triste cobrança, que ele já verbalizara...":- porque não fala com sua mãe - pede prá ela me perdoar e me aceitar de volta na nossa casa minha filha?" E ela lá no fundo sabe, se sentia um pouco mãe da mãe, e mãe do pai... pois ficava entre os dois a quem amava , procurando entender e superar junto com eles o drama do desentendimento que parecia não ser um único, mas uma soma de momentos de terríveis contrariedades, na verdade incompreensíveis para ela , tão pequena... uma espécie de bode espiatório das confusões...uma vez que os guris , um com 12 anos a mais, e o outro com 8 anos mais velho, não tinham coragem de se meter em nada ... achavam que o "velho "  era mesmo muito brabo, nervoso, e não era possível, conviver com ele na paz...e que o melhor era ele ficar longe mesmo, para que todos ficassem calmos...Essa menina fazia o papel de valente apaziguadora, que distribuia amor e carinho para todos, com geitosa forma de contornar os impasses mais difíceis...tinha lá seu orgulho por cada um deles, os amava como eram... não temia seu pai, o amava, mesmo.E ele sabia. sentia o amor puro e carinhoso dessa pequena  e retribuia ...com honestidade...Havia um entendimento superior a tudo, e se respeitavam entre eles com devoção e alegria, muitas vezes o espírito crítico os fazia encarar a vida -cada qual de sua altura- com realismo e ir em frente aceitando a situação que lhes parecia afinal ser a vontade de Deus. Essa rotina de visitas eram de puro carinho pois seu pai vinha poucas vezes a sua casa para não desagradar sua mãe...Muitas vezes ele ia lá dar uma volta quando sabia que ela não estaria e levava num cartucho alguma fruta- duas maçãs, uma maçã e um apera...para sua filha - deixava escrito em letra tremida, de forma ..."para minha filha", encima da tampa do poço que ficava no quintal...O coração apertava quando via o pacotinho lá e pensava-"... meu pai esteve aqui e eu não o pude ver"...As vezes ela se perguntava se algum dia iriam ser felizes de verdade?Ser uma familia, era impossível...Como as outras ali do bairro? Não mais...Um profundo desencanto destilava-se diariamente do coração de sua mãe, que sentia -se uma pessoa sózinha no mundo tambem , só com sua filha, trabalhando duramente para sustentarem-se, pois não havia nenhuma contribuição de parte de seu pai para a subsistencia das duas...Era sua estratégia para que ela pedisse que ele voltasse para ...o lar!Ameaças no ar, sempre houveram... de todo tipo vingativo - ele deixava recados aqui e ali, bem desconfortáveis, um certo terrorismo insuportável, toneladas...muito pesadas para se carregar indo e vindo pra escola, sorrindo...e ainda sendo das melhores notas todos os anos...como diziam todos- irmãos e mãe- "- não fazendo mais que sua obrigação"...afinal todos da familia enfrentavam a situação desse casamento desfeito depois de 17 anos, com um certo alivio mas não menos atrapalhados pra dizer o mínimo...Tantas familias passam para outras formas de convivencia ao logo de suas histórias...não quer dizer que fossem os únicos. Mas na familia de sua mãe, isso era indamissivel...e todos se retiraram deixando só, completamente só.Uma familia sem o cabeça, nos anos 6o , ainda era uma familia desonrrada. Sem crédito na sociedade.Uma mulher jamais seria capaz de se erguer com dignidade, de um casamento desfeito...Como oficialmente ele não se envolvera com ninguem, pairava como vigia atento  da moralidade da familia... mesmo a distancia...Os tempos mudaram. Nos últimos cinquenta anos,  o divorcio para essas situações veio dar solução, e embora se lamentem os casais que se separam no primeiro mes de casamento , hoje em dia ela achava que seu pai e sua mãe foram um sucesso de convívio...devido a características de riqueza artística em ambos, os momentos bons eram de dança, cantoria, alegria mesmo ... astúcia para não deixar-se enganar um ao outro, carinho com os filhos- enorme, vida modesta e saudável, mesa farta de tudo que era essencial...mesmo que não fosse o mesmo essencial de uma familia mais abonada...Uma das tristes lembranças que a ela lhe ficou - foi a de sempre que ouvir o canto do bentevi lembrar dele cantando batendo palmas, bem ruidoso- "-dahila, burque tra triste? Vo canta bra vuce, a musica do bentevi- Bentevi, bentevi, não me venha encomodar , diga lá pro meu amor, que eu não quero me casar..." e  agente rolava de rir , pois essa cena era muito engraçada...

































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